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MÚMIA DE NES Na época vitoriana, aristocratas britânicos impressionavam seus convidados em jantares para os quais compravam uma múmia para retirar suas bandagens. Em outros casos eram vendidos ingressos para eventos com o mesmo objetivo, que atraíam centenas de pessoas para os auditórios. Na atualidade também é possível presenciar o desenrolamento — agora virtual —, das bandagens de uma múmia. Foi o Museu Britânico que propiciou essa experiência ao seu público, através de uma exibição em três dimensões. A moderna tecnologia computadorizada, aliada aos mais recentes procedimentos médicos de tomografia, permitem o desvendar de segredos sobre a vida de uma pessoa que viveu por volta do ano 800 a.C. Tomografias computadorizadas, as quais produziram visões tridimensionais do corpo num total de 1500 imagens, permitiram examinar, sob qualquer ângulo, cada parte do corpo e dos amuletos enterrados com ele.

O ATAÚDE DE NES Sentados em um teatro com ar condicionado, usando um par de óculos 3D, os espectadores podem penetrar as diversas camadas de uma múmia e descobrir seus segredos, um a um, sem destruir uma fibra sequer da bandagem, sem nem mesmo ser preciso abrir o espetacular caixão pintado cuja foto vemos à direita.

CARTONAGEM DE NES Dentro dele existe ainda uma caixa elaboradamente pintada fabricada com uma técnica conhecida como cartonagem . Ela é feita aplicando-se até 20 camadas de linho ensopado em cola ou gesso sobre um molde de barro no formato de múmia, molde esse que é retirado antes do endurecimento do linho.

Mas nada disso é obstáculo para as tecnologias do século XXI: a madeira, o linho, o tecido humano, os ossos, tudo pode ser fatiado como se o espectador fosse um patologista. As descobertas que podem ser feitas só seriam conseguidas no passado através da destruição das múmias, o que, evidentemente, estava fora de cogitação. Tanto é assim que a última vez que o Museu Britânico ousou desenrolar um desses cadáveres foi por volta de 1790.


O corpo escolhido para esse verdadeiro espetáculo moderno foi o de um certo Nesperennub, carinhosamente Nes para os técnicos do museu, que vemos sendo "desenrolado" na foto do topo desta página. Ele viveu aproximadamente 1700 anos depois da época das grandes pirâmides e era um sacerdote do templo de Khons, no vasto complexo religioso de Karnak. Ele foi intitulado de amado do deus, sacerdote de libação do deus Khons e também era um abridor das portas do céu, o que significa que seu trabalho era o de abrir as portas do santuário que continha a imagem da divindade. Era sua responsabilidade, também, evitar que os deuses atingissem o povo egípcio com calamidades como escassez de alimentos e inundações do Nilo. Além disso, era um portador do abano do rei, uma posição influente que o colocava em íntima proximidade com o poder. Seu ataúde colorido jamais foi aberto desde que foi lacrado por seus embalsamadores em Tebas. Ele apenas tinha sido radiografado na década de 60 do século passado, mas as imagens pouco nítidas só revelaram sua provável idade ao morrer — cerca de 40 anos — e o bom estado de seus dentes.

A audiência é colocada face-a-face com o antigo sacerdote, na medida em que seu rosto, reconstituído por cientistas, flutua sobre eles nesta apresentação tri-dimensional projetada sobre uma tela curva de 3,65 m de largura por 1 m de altura. Agora podem ser vistos detalhes como os pequenos amuletos agrupados ao redor de sua garganta, ou o escaravelho colocado sobre seu tórax. Em contrapartida, também podem ser revelados os defeitos corporais de Nes, o qual, com certeza, não gostaria que assim fosse. Desde seu abscesso dentário até um moderado início de artrite óssea, nada escapa à nova tecnologia. Torna-se até possível especular se uma enigmática cavidade existente em seu crânio, acima do olho esquerdo, significa que tenha morrido de um tumor no cérebro. Outros detalhes que podem ser vistos são o local exato onde foram quebrados os pequenos ossos do nariz para permitir a extração do cérebro e a incisão no lado esquerdo do abdômen, coberta por uma pequena placa de metal gravada, pela qual suas entranhas foram removidas para mumificação em separado.

A TIGELA NA CABEÇA Mas o que provavelmente Nes mais odiaria de ver revelado ao público é o fato de ter tido o infortúnio de ser mumificado com uma tosca tigela de barro no topo da cabeça. Quando Nes foi enterrado, o processo de mumificação estava altamente desenvolvido e produzia múmias muito bem elaboradas. Apesar disso, um erro ocorreu. Ao que parece, os embalsamadores estavam usando a tigela como recipiente da resina derretida que estava sendo espalhada por cima da pele. As impressões digitais dos sacerdotes podem ser vistas no barro. Como eles emplastraram a cabeça, a resina começou a gotejar e a se solidificar. Puseram então a tigela na parte de trás da cabeça do defunto para aparar as gotas e se esqueceram da coisa. Quando a resina se fixou, a tigela ficou cimentada e quando tentaram arrancá-la, um pedaço da pele da parte posterior da cabeça se dilacerou e isso pode ser visto claramente em 3D. É provável que os sacerdotes tenham se apavorado com o erro cometido, mas como afinal ninguém ia ver, decidiram ir em frente e embrulhar o cadáver assim mesmo. Uma vez que os parentes do morto não estavam presentes durante os preparativos do corpo, essa pequena negligência profissional permaneceu em segredo durante milênios. Coroando os trabalhos de pesquisa, os técnicos conseguiram reconstituir o rosto de Nesperennub e criaram uma réplica em tamanho real de sua cabeça. Fotos © The Trustees of the British Museum.